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A Crise Brasileira: causas históricas e políticas, não nesta ordem necessariamente.

by Roberto Cirino
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Longe de ser um artigo científico, este texto busca demonstrar, dentro de uma linguagem mais simples, longe o máximo do nosso economês, as causas da atual crise que estamos atravessando. Tarefa difícil, para se fazer em poucas linhas, mas para ajudar vou dividir as minhas opiniões em duas partes: primeira, o que levou a crise; segunda o que pode nos tirar da crise, no curto prazo.

Podemos citar um acumulo de fatores que fizeram com que desencadeasse a crise pela qual estamos passando. Muito se tem falado de um estelionato eleitoral, com uso da elevação dos gastos públicos, para ganhar a eleição presidencial, como principal causa da crise. Ocorreu, e no meu entender, foi apenas a gota d´água da construção desta situação econômica. Porém, somos o país do estelionato eleitoral, para citar dois: após a redemocratização, governadores do PMDB em 1986, via Plano Cruzado, em 1998 eleições presidenciais, no governo do PSDB, através do câmbio e por aí vai.

O que quero buscar e demonstrar, é que, a crise viria, com ou sem elevação das despesas públicas, alias, esta elevação, retardou o aparecimento da crise, e a potencializou em um segundo momento, e está sendo elevada a enésima potencia, devido à crise política.

Para a primeira análise, causas da crise, existem duas linhas de construção dos argumentos que gostaria de seguir, pois elas convergirão mais à frente, para explicar as origens da crise atual. A primeira linha diz respeito ao desenvolvimento político social pós Constituição de 1988. A segunda linha diz respeito a nossa melhor obra econômica, e que infelizmente ainda não está acabada, o Plano Real.

Primeira Linha – O desenvolvimento político-social do Brasil pós Constituição de 1988. Quero deixar claro, neste início de texto, que não estou realizando nenhum juízo de valor sobre a Constituição Cidadã, apenas apontando alguns fatos que influenciaram e influenciam, a meu ver, na gestação da atual crise.

Até 1984, grosso modo, vivíamos sob a égide de um regime militar, sem liberdade de escolha de nossos dirigentes políticos e os nossos governantes não tinham alguma pressão política eleitoral. O desenvolvimento econômico deste período foi caracterizado pelo nacionalismo, proteção da indústria nacional e planejamento econômico centralizado no Estado e forte intervenção estatal na economia. Foram criadas as grandes empresas estatais e optou-se pela industrialização via substituição de importações, com a economia extremamente fechada comercialmente. Esta orientação política econômica vai criar uma classe privilegiada de industriais e proprietários rurais com acesso a subsídios públicos, grande influência política desta elite nas decisões econômicas e proteção contra concorrência externa (Mendes, 2014). A assistência governamental aos pobres – rede de proteção, era pequena, não haviam quaisquer mecanismos de proteção social, seja para desempregados, seja para grupos vulneráveis.

A redemocratização inicia-se em um contexto de grande demanda reprimida por assistência social, educação, saúde e geração de empregos. Estas demandas, há época, não poderiam ser exigidas em um regime de exceção. Com a liberdade de imprensa, sindicatos, etc., e direito ao voto, as demandas sociais afloram. Os pobres com direito ao voto, e com a maioria dos votos, induzem os políticos a atender suas demandas. Em contrapartida, os ricos, com seu poder econômico e político, induzem os governantes a manter e ampliar seus privilégios.

“O governo passou a funcionar como uma central de distribuição de rendas e de regulação protetora para diversos grupos sociais. A despesa pública disparou. O orçamento público e a regulação econômica tornaram-se as principais ferramentas de distribuição de renda e patrimônio em favor dos pobres (políticas sociais), dos ricos (políticas industriais) e de grupos intermediários (emprego público, previdência pública privilegiada, etc.) ” (Mendes, 2014).

Esta dinâmica persiste ao longo dos anos “democráticos”, com a ocorrência de crescimento real das despesas correntes da União. Entre 1997 e 2012 a despesa “primaria do Governo Central” cresceu de 14% do PIB para 18,3%, o mesmo ocorrendo com as despesas dos estados e municípios, que cresceram 5,8%. Ou seja, em um ambiente democrático, onde as instituições ou mecanismos de controle não são fortes o suficiente para conter as demandas sociais, os políticos, que necessitam do voto popular para se manter no poder, cedem a estas demandas, gerando um ciclo não virtuoso, de aumento de gastos e atendimentos às demandas dos diversos nichos eleitorais e consequente elevação do gasto público.

A elevação dos gastos foram uma das causas da hiperinflação da década de oitenta do século passado, que só veio a ser controlada em 1994 com o Plano Real. Com o fim da inflação, houve a necessidade de elevação da carga tributária, visto que o governo se financiava com o processo inflacionário. Porém, após a adoção do Plano, a carga tributária sofreu grande elevação, dado que a despesa corrente continuou em crescimento, decorrente do processo político social apresentado acima. Passando de um patamar de 28% do PIB em 1994 para 34% em 2012. Ou seja, as demandas da sociedade fizeram com que o governo elevasse a carga tributária para fazer frente ao crescimento das suas despesas. Esta elevação tributária, porém, não gozou de qualquer estudo que permitisse a melhor justiça social, ou mesmo melhoria da competitividade sistêmica da economia brasileira. Deixando o país com um sistema tributário que prioriza a maximização da receita em detrimento da qualidade e neutralidade dos tributos.

Este descompasso entre a receita e a despesa pública faz com que ocorra o déficit fiscal se eleve, o setor público se apropria de parte da poupança privada da sociedade para financiar o seu excesso de gastos, reduzindo o montante de recursos que poderiam financiar os investimentos das empresas. A partir de agora, quero colocar a minha segunda linha de sustentação sobre as origens da crise, a nossa melhor obra de economia, o Plano Real.

Quando da instituição do Plano Real a ideia de utilizar a URV como referência de valor e posterior desindexação da economia foi brilhante. O câmbio foi utilizado como ancora para segurar a inflação e os níveis hiperinflacionários caíram para indicadores mais civilizados. Porém, duas heranças da hiperinflação não foram eliminadas: a indexação dos ativos financeiros à taxa diária de juros e a não desindexação total dos contratos, que carregam segundo, Barbosa (2008), rigidez na inflação, necessitando de maiores taxas de juros para conter o processo inflacionário.

Vejamos estes dois aspectos. No setor financeiro o Plano Real manteve intacto o regime monetário do período de hiperinflação, com a moeda na sua base (reservas bancárias, fundos etc.) indexada à taxa de juros diária (SELIC/CDI). Sendo insano pensar que as taxas de juros das aplicações “overnight” continuaram a pagar a mesma taxa SELIC dos títulos de longo prazo do Tesouro Nacional. Mas continuam.

Ao mesmo tempo temos em torno de 30% do IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo, sendo representado por preços indexados, onde os vários governos que passaram após o Plano Real, e o próprio governo que o implementou, não ousaram acabar.

Podemos dizer que, a grosso modo, o IPCA, que mede a inflação oficial é formada por 40% de preços livres, 30% de preços administrados e 30% de preços que tem como base o câmbio. Ou seja, 60 % da inflação variam com base na inflação passada e o câmbio. Por este motivo, estas duas variáveis que o governo tem como “manipular” foram utilizadas para manter a inflação sobre controle durante todo o período pós Plano Real, com todas as suas consequências, sejam boas ou ruins, ora manipulando mais de uma, em determinadas épocas mais da outra variável, quando não as duas juntas.

Cabe aqui deixar claro que no momento que é oportuno ao governo que o câmbio flutuante para ajudar a combater a inflação, este flutua, no sentido contrário, criam-se mecanismos para evitar que isto ocorra.

Um dos chamados pilares da Matriz Macroeconômica pós desvalorização do câmbio de 1998, o câmbio flutuante, juntamente com a Lei de Responsabilidade Fiscal – Superávit Primário e Metas de Inflação, na maneira como foi utilizado, trouxe, no meu entender, a aceleração da desindustrialização da economia brasileira.

É natural que a participação da indústria dentro do PIB de um país decresça ao longo dos anos, passando o setor de serviços a tomar este crescimento, porém, no caso brasileiro esta queda foi acelerada, devido principalmente a necessidade de manter a inflação sobre controle e mais, passar artificialmente, para a classe média – viés político social, um efeito riqueza que não existia. Com isto, as pressões políticas se reduziriam, e as demandas sociais para esta classe e as demais se manteriam estáveis, ou menores.

Como consequência da utilização inadequada do câmbio, ocorre a desindustrialização da economia, setores da indústria brasileira desaparecem, ou se reduzem e eleva-se o volume de produtos e matérias-primas importadas dentro da matriz produtiva brasileira. Outra consequência direta da manutenção artificial do câmbio – a chamada doença holandesa.

Por outro lado, a falta da desindexação financeira permite que o setor bancário se torna muito concentrado, devido aos altos lucros do setor, e faz com que, em conjunto com as gerações de déficits públicos, tenhamos taxas de juros muito elevadas, reduzindo a nossa capacidade de investimento e potencializando ainda mais a desindustrialização.

Merece destaque também, outras ações pontuais, que são também relacionadas à situação político social das demandas apontadas como causas da situação de crise atual, a nova indexação do salário mínimo, criada em 2011, onde é dado pela inflação mais variação do PIB. Que permite aumentos reais e que acabam por indexar e pressionar ainda mais a inflação, cujo custo político de ser finalizado é gigante. Além de todo o mecanismo de correção automática de que o salário mínimo é referência na economia, como por exemplo a Previdência Pública. Pelo lado do grupo de interesse dos industriais foram criadas várias linhas de financiamento subsidiadas que tinham como fim aumentar o nível de investimentos e sustentar o crescimento da economia, porém com forte impacto fiscal. Estas linhas também foram estendidas para o setor rural, outro forte grupo de interesse.

Apesar de não estar diretamente apresentado dentro das duas linhas de desenvolvimento apresentadas no texto, mas que nasce da Constituição de 1988, cabe destacar que o orçamento brasileiro é engessado, a vinculação das despesas, muito celebrados como conquistas, em momentos de crise passam a ser problemas. Outro fator importante, não mencionado diretamente, mas que que também está no bojo das duas linhas construção apresentadas, é o nível de exposição comercial da economia brasileira. Fruto da defesa de interesses de grupos com poder político, o país apresenta baixa abertura comercial, fato este que impacta diretamente o nível de preços e a competitividade produtiva da nossa indústria. Não podemos deixar de lembrar que não existem condições isonômicas de produção entre a nossa indústria e a indústria de vários países com os quais competimos. Mas a falta de uma maior abertura comercial também influencia na situação econômica atual.

De maneira rápida, tento construir os motivos que levaram a economia à crise que estamos passando. No meu entender, passado o ciclo do boom das commodities, o advento da Crise de 2008 é o preludio para a crise da economia. As condições para a elevação da Formação Bruta de Capital se reduziram. A indústria perde participação, a inflação é controlada de maneira “artificial” o saldo do ciclo de crescimento anterior é literalmente consumido, e o governo se vê na necessidade de sustentar taxas de crescimento da economia, sob o risco de perder o apoio popular e perder votos.

 Quem cabe tentar sustentar a situação? As despesas públicas, recheadas com controle sujo do câmbio e dos preços administrados. Ou seja, o Estado distribuidor de privilégios para as várias classes sociais demandantes estava se mantendo até a crise de 2008, porém, a base de sustentação econômica – elevação dos gastos públicos vis-à-vis elevação da carga tributária chegaram aos seus limites. Então a crise chegou.

Sustento com isso que qual fosse o governo que assumisse em 2014, a crise viria, e no meu entender foi apenas “empurrada com a barriga” a partir das ações anticíclicas pós crise de 2008.

De maneira direta, quais seriam as causas da crise:

  1. A não desindexação total da economia – financeira e produtiva, depois do Plano Real;
  2. O pacto não declarado do Estado distribuidor de privilégios as várias classes sociais do Brasil – visando o voto, que chegou ao seu limite de sustentação econômico-financeira;
  3. A utilização dos preços administrados e câmbio para dar sustentação ao pacto citado acima, evitando reformas estruturantes;
  4. Tendo como consequência a desindustrialização precoce da nossa economia.

Soluções de Curto Prazo para a crise. Para termos uma solução paliativa, de curto prazo, para sair do fundo do poço a que a economia brasileira se encontra, pois, soluções estruturais são necessariamente de médio e longo prazo, penso que deve-se  ser implementado:

– Implantação de algum imposto com prazo de validade definida, 3 anos acredito, para reequilibrar as finanças públicas. No meu entender a CPMF, ou se pensar no bojo de uma reforma tributária, o imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos;

– Aprovação da DRU- Desvinculação das Receitas da União – PEC 87/2015;

– Controle do Câmbio – para a manutenção de taxas depreciadas e competitivas;

– Desindexação total da economia, principalmente a financeira, buscando a redução das taxas de juros;

– Abertura comercial gradativa da economia, pactuada com os setores da sociedade, pari passo a redução das taxas de juros internas e reindustrialização competitiva  brasileira;

– Implementação do uso dos depósitos remunerados pelo Banco Central para enxugar o excesso de moeda, anunciada pelo Ministro Nelson Barbosa;

Barbosa-Filho, Nelson, 2008, “Inflation Targeting in Brazil: 1999–2006,” International Review of Applied Economics Vol. 22(2), pp. 187–200.

Mendes, Marcos J., Porque o Brasil cresce pouco?:Desigualdade, democracia e baixo crescimento no país do futuro. 1.ed – Rio de Janeiro:Elsevier, 2014.

Eduardo Moreira Garcia – Mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPR, Analista de Projetos pelo Banco Regional de Desenvolvimento Econômico do Extremo Sul e atual presidente do CORECON.

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