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A Fadiga da Alavanca do Crédito

by Roberto Cirino
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Gilmar Mendes Lourenço

Em um panorama de exacerbação das incertezas, determinado pela absoluta falta de nitidez acerca da evolução da matriz política, as apurações do Banco Central (BC), relativas ao saldo de transações de crédito realizadas pelas instituições financeiras no Brasil, neste princípio de 2016, demonstram flagrante enfraquecimento do principal elemento de propulsão da economia nacionaldesde o final de 2008.

Convém lembrar aqui que, naquela ocasião, no afã de abrandar ou até neutralizar o contágio da crise financeira internacional no ambiente doméstico, as autoridades brasileiras optaram pela deflagração de estímulos às operações de consumo das famílias, via renúncias tributárias e ampliação da concessão de empréstimos acompanhada do alongamento dos prazos de financiamento. Tanto é assim que o montante de crédito em relação ao produto interno bruto (PIB) saltou de 35,5%, em janeiro de 2008, para 53,6%, em fevereiro de 2016.

De acordo com o BC, neste mês, o volume de crédito desembolsado pelos bancos declinou -16,0%, em comparação com o mesmo mês de 2015, já descontada a inflação, e -4,6% em doze meses, evidenciando o delineamento de situação de colapso no mercado de haveres financeiros, público e privado, para pessoas físicas e jurídicas, em face,fundamentalmente,do aprofundamento da recessão.

A retração da alocação e utilização de crédito revelou-se mais acentuada nas modalidades direcionadas, como as atreladas ao sistema financeiro da habitação (SFH), incluindo as linhas populares subsidiadas para bancar a aquisição da casa própria – operadas predominantemente com fundos provenientes das cadernetas de poupança -, aos aportes do BNDES e ao crédito rural.O clima deverá piorar com a recente decisão da Caixa Econômica Federal (CEF) de majoraçãodos juros do crédito imobiliário.

Em paralelo, as taxas de juros cobradas pelas entidades intensificaram a rota ascendente, alcançado média de 68,0% ao ano e 31,9% a.a. para consumidores e empresas, respectivamente, ante 54,3% a.a. e 26,1% a.a., respectivamente, em fevereiro de 2015.

A subida dos encargos reflete principalmente a contração da oferta, por parte das instituições, fruto da combinação entre impulsão da inadimplência dos tomadores e elevação da demanda por rolagem da dívida do governo,ancorada em títulos, o que, inclusive, vem multiplicando os ganhos de tesouraria auferidos notadamente pelos grandes bancos. O passivo em papéis mobiliários do governo, em carteira, atingiu quase R$ 2,7 trilhões, em fevereiro de 2016, correspondendo a 45,1% do PIB.

Igualmente relevante para a constituição da marcha cadente de disponibilidade de crédito tem sido o encurtamento das necessidades de capital de giro das empresas, derivado dos ajustes promovidos para enfrentamento da etapa desfavorável, marcada por decréscimo das quantidades vendidas e produzidas e pela busca de diminuição de custos com estoques e acertos com fornecedores, sobretudo aqueles referentes a prazos de pagamentos.No entanto, tal estratégia vem perdendo fôlego com a generalização e intensificação do cenário recessivo.

A título de ilustração, a produção industrial e o volume de vendas do comércio vêm decrescendo a taxas próximas de -10,0% ao ano, o faturamento real de serviços recuou quase -4,0% em doze meses, e o nível de emprego e de salários reais médios do setor fabril experimentaram contração anual ao redor de -7,0% e -2,0%, respectivamente.Por conta desse retrato negativo, como demonstra inquérito da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ao registrar 37,4 pontos (em uma escala de zero a cem), a confiança do empresário seria a terceira pior da série começada em 2012.

Não por acaso, o desemprego metropolitano situa-se em 8,0% da população economicamente ativa (PEA), e a desocupação total aproxima-se de 10,0% da PEA, segundo apurações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo havido o fechamento líquido de 1,7 milhão de postos de emprego formais, no ano findo em fevereiro de 2016. A remuneração média dos trabalhadores vem encolhendo, em base anual, em ritmo superior a -7,0%, no espaço das metrópoles, e -2,5%, para o total do País.

Por essa atmosfera, não surpreendem os resultados de pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), apontando agravamento do endividamento e inadimplência das famílias. Em março de 2016, 60,3% dos brasileiros possuíam algum tipo de dívida, 23,5% acusavam atraso superior a 60 dias nos pagamentos das prestações, e 8,3% informavam não terem condições de quitação dos débitos, contra 59,6%, 17,9% e 6,2%, respectivamente, em março de 2015.

O mais preocupante, porém, é que 77,3% dos consumidores possuem contas a pagar no cartão de crédito, que cobrava, em fevereiro de 2016, juros médios de 447,5% a.a., no rotativo, versus 342,7% a.a., em igual mês de 2015. Mesmo as taxas das modalidades em consignação pularam de 26,8% a.a. para 29,5% a.a., no período em tela.Assim, pesquisa da CNC revela que o índice de confiança do consumidor caiu a 77,5 pontos (em uma faixa de variação entre de zero e duzentos), em março deste ano, o que representa o menor score da série levantada desde janeiro de 2010.

Como se vê, em um ambiente de apreensão das famílias, motivada pela queda da renda real, decorrente da conjugação entre a fragilização do mercado de trabalho e da escalada inflacionária, e o temor do fantasma do desemprego, e de quebra da confiança empresarial, parece razoável supor a reduzida probabilidade derecolocação do crédito bancário como protagonista da desejada recuperação da economia brasileira, em médio prazo.

Gilmar Mendes Lourenço é Economista, Professor da FAE Business School, Ex-Presidente do IPARDES.

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