É comum encontrar análises apontando que um dos setores mais resistentes à crise é o de beleza, cosméticos e cuidados pessoais: um setor que “não tem crise”.
É possível confirmar parte deste pensamento com o relatório de vendas do varejo no Brasil em 2015. Dados consolidados sobre as vendas no ano anterior mostram que, pela primeira vez desde 2001, quando a série histórica foi criada, houve queda de 4,3% sobre o ano anterior. Quando se olha o índice do comércio varejista ampliado, que inclui veículos e material de construção, a queda é de 8,6%.As reduções mais expressivas foram verificadas nas seguintes atividades:
ü -17,8% em veículos;
ü -10,9% em livros, jornais, revistas epapelaria;
ü -8,7% em tecidos, vestuário e calçados;
ü -8,4% em material de construção.
Entre os dez setores pesquisados pelo IBGE, apenas as atividades de artigos de farmácia, produtos médicos e ortopédicos e de perfumaria registraram crescimento de 3%, que embora seja um resultado “magro”, é uma fortaleza quando se compara às quedas abissais das demais atividades.
A resistência das vendas de medicamentos e artigos médicos dispensa maiores explicações, mas e quanto ao item perfumaria, ele também é resistente à crise?
Pelo seu peso dentro da atividade em que está incluído, é bem provável que sim, pois apenas as vendas dos demais artigos não resultariam em uma elevação se esta outra perna estivesse despencando.
Mas qual a justificativa para que um segmento de produtos aparentemente supérfluos possa resistir à crise?
As experiências da Diferencial, inclusive em estudo com consumidoras da terceira idade, apontam algumas pistas para isto:
Primeiro, as pessoas, especialmente as mulheres, precisam se cuidar, mesmo sem dinheiro. É possível esticar a validade de uma roupa, tirar a poeira de uma bolsa, mas cosméticos e perfumaria são consumidos com sua aplicação, e os consumidores não vão deixar de lavar o cabelo, hidratar a pele ou fazer a maquiagem. Podem-se trocar as marcas, mas o consumo ainda continua.
Na mesma linha deste pensamento, as pessoas podem reduzir um pouco a frequência a estabelecimentos de beleza, mas as mulheres não vão deixar de fazer a unha, cortar o cabelo ou retocar a tintura, procedimentos que são essencialmente realizados por profissionais, mesmo que exista alguma migração para a execução doméstica de procedimentos mais simples.
Em segundo lugar, o cuidar de si, ir a um salão, é um momento de autoindulgência, relaxamento, e o consumidor, especialmente a mulher, tende a não abrir mão deste espaço. A mulher já tem que cuidar dos filhos, atender ao chefe, dar atenção ao marido, assim, cuidar de si mesma éum momento de recarregar as baterias.
Em terceiro lugar, o consumo de cosméticos e serviços de beleza acaba por ocupar o lugar de outros gastos maiores e haveria uma tendência de migração. Economiza-se na roupa, na bolsa e no sapato, mas pelo menos um creme e um batom cabem no orçamento. Não dá para viajar, mas pode-se então jantar fora e alguma preparação sempre é necessária.
Estes pontos foram alvo de uma enquete que a Diferencial conduziu com 227 consumidores da categoria em Curitiba no final do ano passado, através de entrevistas de rua, e os resultados são consistentes com as hipóteses acima relacionadas.
Os dados apontam que, mesmo num cenário já avançado de crise, apenas 12% dos consumidores afirmaram ter reduzido o seu consumo de cosméticose produtos de higiene pessoal, e 20% deles até elevaram este gasto, especialmente no segmento acimados 36 anos de idade.
Nos últimos meses, como evoluiu seu consumo de cosméticos e produtos de higiene pessoal? |
Total |
Idade (em anos) |
|
Até 35 |
36 e mais |
||
Reduziu |
12,3% |
11,0% |
13,8% |
Manteve-se igual |
67,4% |
73,7% |
60,6% |
Elevou-se |
20,3% |
15,3% |
25,7% |
Base |
227 |
118 |
109 |
Mas mesmo que seja de fato um setor que resiste mais à crise, consumidores tomam atitudes que reduzem seus gastos. As principais são a troca de marcas de produtos e a queda na frequência aos estabelecimentos de beleza, atitudes tomadas especialmente pelas mulheres, para quem os gastos nesta categoria são mais representativos.
Atitudes tomadas em relação aos segmentos nos últimos meses |
Total |
Gênero |
|
Homem |
Mulher |
||
Reduziu frequência em salão |
56% |
48% |
63% |
Trocou marca de produtos |
26% |
19% |
31% |
Mudou de salão |
16% |
14% |
17% |
Mudou local de compra dos produtos |
15% |
14% |
16% |
Base |
227 |
104 |
123 |
Para concluir, é possível ver, através de diversos dados, que o setor de beleza, cosméticos e cuidados pessoais apresenta sim uma maior resistência à crise, mas que ele não está imunea ela, e existem adaptações no comportamento de consumo da categoria, especialmente entre as mulheres, adaptações estas que podem prejudicar alguns segmentos e marcas, mas podem também favorecer a outros. Fica evidenciado que os consumidores, apesar das suas adaptações, continuarão a gastar com a categoria, e o que as marcas e estabelecimentos podem fazer é justamente ajudar seus clientes a passarem por esta etapa sem que precisem se afastar da categoria, que lhes é tão cara e importante.
Gustavo Bizelli, Economista, especialista em Marketing & Global Business pela Universidade da Califórnia
gustavo@diferencialpesquisa.com.br
CORECON 8244
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