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O Governo Dilma e a Perda do Ativo que Restava

by Roberto Cirino
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Gilmar Mendes Lourenço

As estatísticas sociais brasileiras, apuradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e trabalhadas por instituições de mercado e usuários bastante respeitáveis, como a Fundação Getúlio Vargas (FGV), revelam que, em 2015, a nação amargou a combinação entre declínio da renda média das famílias e ampliação da disparidade na apropriação do produto.

Tal evento, que não acontecia desde 1992, ano da instauração do impeachment que levou à renúncia do então presidente Collor, representa a interrupção de uma sequência de treze exercícios de declínio da concentração de renda no País e a perda do derradeiro trunfo que teria sobrado às administrações do partido dos trabalhadores (PT), depois da extração da ética com a eclosão do episódio do mensalão, em 2005.

Decerto, o fenômeno de flagrante minimização da desigualdade de renda e da pobreza e mobilidade social, observado no Brasil nos onze anos findos em 2014 – atestado pela variação de 130% superior à inflação da renda da faixa inferior a dois salários mínimos (SM), contra incremento de 30% para aqueles com rendimento médio acima de 10 SM – derivoudo robustecimento do mercado interno, reproduzido na pronunciada abertura de postos de trabalho com carteira assinada, fruto da concatenação entre fatores virtuosos exógenos e domésticos, estes atrelados à consistência macroeconômica.

No front externo emerge as folgas nas transações correntes, proporcionadas pela entrada líquida de expressivos volumes de moeda estrangeira, em virtude da apreciação dos termos de intercâmbio, determinada pela subida explosiva das cotações das commodities, com a impulsão demanda chinesa, depois de 2002, coincidindo com a entrada daquele País na Organização Mundial do Comércio (OMC).

No plano interno sobressai o fortalecimento da tendência de decréscimo estrutural da inflação, delineada com o Plano Real, em 1994; a estratégia de reajustes reais dos salários do piso da pirâmide, iniciada nos anos 1990 e maximizada a partir de 2005, com a criação da política de valorização do mínimo; a instituição do crédito em consignação (mais barato e sem riscos, dado o desconto na folha de pagamento do tomador); e a ampliação dos programas oficiais de transferência de renda, capitaneados pelo bolsa família e a aposentadoria rural.

Não é necessário ostentar a comenda de arguto analista de conjuntura para perceber a ocorrência de um substancial esforço do governo na direção da derrubada dos pilares da inclusão social, sobretudo a partir de 2012 quando, o lançamento e operação de uma nova matriz econômica – desprovida de responsabilidade fiscal, tolerante com a inflação e excessivamente empenhada em interferir no funcionamento, rentabilidade e produtividade da microeconomia, como se a atuação do Estado populista não possuísse limites -, serviu para multiplicar os efeitos do enfraquecimento das forçasinternacionais, com a reversão do curso ascendente dos preços das commodities.

A instabilidade, acusada inicialmente pela indústria, passou, de maneira rápida, a contaminar os demais setores da economia, traduzidas em quedas recordes nas vendas reais do comércio e no volume de negócios dos serviços, que repercutiram negativamente na ocupação de mão de obra.

Tanto é assim que, em doze meses encerrados em fevereiro de 2016, a nação contabilizou subtração líquida de -1,7 milhão de postos de trabalho formais, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho em Emprego (MTE), com reduções de -687 mil nas fábricas, -406 mil na construção civil, -364 mil nos serviços e -222 nas atividades comerciais.

Na mesma direção, a taxa de desemprego total, medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, efetuada pelo IBGE em 3.500 municípios, chegou a 9,5% da população economicamente ativa (PEA), no trimestre móvel terminado em janeiro de 2016, a maior da série histórica começada em 2012, equivalendo a 9,6 milhões de pessoas desocupadas a procura de emprego. Já o rendimento médio mensal, estimado em R$ 1.939,0, vem caindo desde julho-setembro de 2015, quanto registrou a cifra de R$ 1.954,0.

Considerando que o desemprego no espaço metropolitano, acompanhado pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), também do IBGE, situou-se em 7,9% da PEA, no primeiro bimestre de 2016, contra 5,6% da PEA, em igual intervalo de 2015, e a remuneração média, nas seis regiões investigadas, estava,em R$ 2.227,50 (-7,5 menor que em fevereiro de 2015), em fevereiro de 2016, parece razoável admitir que a deterioração da dinâmica das ocupações vêm sendo mais acentuada nas áreas interioranas, abrigadoras da população mais pobre, por conta da drástica retração da participação direta do setor público, em função da crise fiscal e financeira do Estado, e dos efeitos das investigações no âmbito da operação Lava Jato, particularmente a paralisação de obras e serviços prestados por grandes empreiteiras, envolvidas no maior escândalo de corrupção da história do Brasil.

É fácil perceber que, paradoxalmente, a mola propulsora dos ganhos sociais conquistados pela população do País, em duas décadas e meia, representada pela orientação macroeconômica transformou-se no principal empecilho, notadamente desde 2012, expresso especialmente na fragilização das finanças governamentais, minando as bases da continuidade do abrandamento da desigualdade e do acesso generalizado aos bens públicos.

A despeito da reconhecida dimensão e interferência dos embaraços políticos e institucionais para a formação e manutenção do quadro de paralisia (ou contração) econômica da nação, é interessante sublinhar o peso, nada desprezível, exercido pela abdicação de adoção de sólidos parâmetros de gestão macro na construção do maior túnel recessivo desde os primórdios da república brasileira. Esse é o verdadeiro e incontestável golpe.

Gilmar Mendes Lourenço é Economista, Professor da FAE Business School, Ex-Presidente do IPARDES.

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