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Carta de Brasília: Por uma política fiscal para o desenvolvimento, justiça social e responsabilidade ambiental

by Roberto Cirino
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O Conselho Federal de Economia (Cofecon) divulga a “Carta de Brasília: por uma política fiscal para o desenvolvimento, justiça social e responsabilidade ambiental.”

Acompanhe na íntegra a carta abaixo:

No dia 25 de abril de 2023, no Espaço Israel Pinheiro, localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília, economistas, representantes de entidades de classe e da sociedade civil e membros do governo federal e de instituições públicas debateram, no seminário promovido pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon) em parceria com diversas entidades, as possibilidades e os limites propiciados pela proposta do Novo Arcabouço Fiscal (NAF). Esta foi elaborada e enviada em abril pelo Ministério da Fazenda, na gestão de Fernando Haddad, ao Congresso Nacional na forma do Projeto de Lei Complementar– PLP nº 93/2023. Além dos posicionamentos institucionais das entidades organizadoras e apoiadoras, as mesas de debates abordaram três frentes de impactos do NAF para o país: i) no orçamento público, em relação à trajetória de receitas, aos gastos sociais e aos investimentos públicos; ii) na política monetária, dívida pública e taxa básica de juros (taxa Selic); e iii) no desenvolvimento sustentável e democrático, em termos políticos, econômicos, sociais e ambientais.

No que se refere à frente de impacto no orçamento público, o diagnóstico foi que o NAF, além de pró-cíclico, é dependente de um crescimento significativo das receitas para garantir recursos necessários para o fortalecimento das políticas públicas. Diante de um ritmo de crescimento econômico ainda fraco e instável, há a preocupação de como viabilizar um aumento de arrecadação fiscal compatível com as metas estabelecidas pelo NAF, visto que revisões de desonerações e de distorções tributárias podem ser insuficientes e possuem dificuldades políticas e jurídicas para se concretizar. Por outro lado, diante do aumento da vulnerabilidade socioeconômica e do agravamento das desigualdades ao longo dos últimos anos, combinados com um orçamento público muito comprimido que teve um alívio provisório em 2023 proporcionados pela PEC da Transição, há a preocupação com uma continuidade da atrofia de recursos para a manutenção da administração pública, para políticas sociais e para investimentos, bem como para a capacidade de implementação de medidas anticíclicas em grau adequado. Outros pontos de preocupações estão: i) nas declarações de integrantes do Ministério da Fazenda sobre a possibilidade de rever os pisos constitucionais de saúde e educação, elevando sobremaneira o risco de subfinanciamento de áreas centrais de atuação do Estado; ii) na punição da taxa de crescimento da despesa para 50% da taxa de aumento da receita em caso de descumprimento da meta de primário, sendo uma medida pró-cíclica; e iii) na previsão de não pagamento de parcela significativa das dívidas judiciais do Governo Federal, já que o NAF proposto não altera o subteto de precatórios previsto nas Emendas Constitucionais 113 e 114 aprovadas em 2021.

Em relação ao Teto de Gastos (Emenda Constitucional nº95/2016) e à Lei Complementar nº 101/2000 (LRF), houve um entendimento de que o estabelecimento de um piso de crescimento real de despesa, a adoção de bandas para as metas de primário, a exclusão da obrigatoriedade do contingenciamento e a descriminalização da política fiscal são avanços importantes. No entanto, os parâmetros definidos pelas bandas são estreitos, assim como as metas de primário inicialmente anunciadas podem ser muito restritivas, a depender do desempenho econômico até 2026.

No que se refere aos impactos do NAF na política monetária, dívida pública e taxa Selic, houve o entendimento de que as condições fiscais para uma política monetária menos restritiva já estão dadas. O Brasil, além de uma relação dívida líquida/PIB baixa, controlada e em moeda doméstica, possui elevada monta de reservas internacionais. Portanto, não há risco fiscal que justifique o elevado patamar atual da taxa Selic, em 13,75% a.a., especialmente devido ao fato de que o déficit fiscal no conceito nominal está diretamente relacionado com o vultoso custo de financiamento da dívida pública e, não com os gastos primários. Ademais, diante da evidente desaceleração da economia, da inflação controlada e de uma possível crise de crédito, houve o entendimento de que o início do ciclo de redução da taxa Selic é urgente.

Nos últimos anos, a inviabilidade do atual Teto de Gastos foi fator que contribuiu para a instabilidade política e institucional. Assim, a definição de um regime fiscal sustentável é condição necessária para um ambiente político e institucional mais estável, para promover previsibilidade e para fortalecer a democracia. As regras fiscais, além de focarem na estabilidade macroeconômica e na trajetória sustentável da dívida, devem fomentar o crescimento econômico e a geração de emprego e renda, visando a promoção de um processo de desenvolvimento com justiça social e responsabilidade ambiental. Entende-se que tal processo de desenvolvimento, para além da melhoria nas condições de vida da população, compreende o combate às diferentes dimensões de desigualdades sociais, que se refletem em inequidades tais como as raciais, regionais, de renda e de gênero. Nesse sentido, o provimento de recursos em nível adequado para o financiamento de políticas e serviços públicos é condição necessária para a garantia dos Direitos Humanos e dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988.

Propostas dos signatários:

 

  • Manter a previsão anual de crescimento mínimo e máximo do gasto em termos reais, podendo ser fixada de 4 em 4 anos nas leis orçamentárias (LDO e LOA), mas sem vinculação com o crescimento da receita. O objetivo é evitar pró-ciclicalidade e controvérsias sobre os indexadores utilizados para calcular crescimento real e correção monetária do gasto, sendo utilizada a projeção de deflator do PIB como índice de correção monetária;
  • Manter a descriminalização da política fiscal e a adoção de bandas de resultado primário, com uma ampliação do intervalo de flutuação para +/- 1 ponto percentual do PIB;
  • Em caso de descumprimento da meta de primário, assim como na política monetária (sistema de metas de inflação), o Ministro da Fazenda deve explicar ao Congresso as razões do por que a meta não foi cumprida e apresentar cronograma de ações para voltar a atingir a meta estabelecida, não tendo a obrigação de acionamento de gatilhos de ajuste de gasto;
  • O orçamento deve ser impositivo, mantendo a exclusão do contingenciamento de recursos durante a execução orçamentária;
  • A meta anual de gasto primário deve ter submeta específica para investimentos públicos, incluindo infraestrutura social (saúde, educação e segurança pública), com objetivo de garantir crescimento real de recursos e estabelecer uma tendência de recomposição da participação no PIB ao longo dos anos, assim como não implementar teto para os investimentos;
  • Não alterar os pisos constitucionais de saúde e educação. A eventual revisão dos pisos de saúde e educação só deve ser adotada em conjunto com meta constitucional de dobrar o gasto real per capita nas duas áreas em até 16 anos;
  • A programação fiscal quadrienal do gasto deve conter: i) regra para a correção real do salário mínimo; e ii) plano de gasto com servidores públicos, incluindo índice de correção dos salários, evolução do efetivo e concursos;
  • Excluir da meta de gastos: i) a capitalização de estatais, inclusive das financeiras; e ii) o gasto com as pesquisas do IBGE (censo, POF, etc), para permitir melhor monitoramento das estatísticas econômicas e sociais; iii) os recursos necessários para transferência de renda às famílias que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza; iv) as despesas de capital estruturantes, conforme definido no Plano Plurianual; e v) as despesas com dívidas de precatórios;
  • Definir um plano para recomposição dos orçamentos para as políticas locais de saúde, como as indigenistas, para conter e reverter as situações graves de emergência sanitária e de proteção territorial;
  • Priorizar recursos no orçamento público para as políticas necessárias à garantia dos Direitos Humanos como dever do Estado;
  • Fortalecer o Plano Plurianual como instrumento de planejamento democrático, transparente e participativo;
  • O cenário de dívida pública deve usar o conceito de dívida líquida do Governo Geral;
  • Realizar estudos sobre:  i) redimensionamento dos componentes da dívida bruta do governo geral, tais como a carteira do Banco Central em títulos do Tesouro Nacional, as reservas internacionais e as operações compromissadas com a autoridade monetária; e ii) possibilidade de adoção de metas explícitas para taxas de juros mais longas pelo Banco Central do Brasil, como faz o Banco do Japão desde 2016. Os objetivos são de reduzir a volatilidade e os prêmios na curva de juros, viabilizando taxas mais baixas;
  • O Banco Central deve publicar relatório periódico sobre o impacto fiscal de sua política monetária e cambial, acompanhado de parecer externo, de órgãos como IPEA e TCU;
  • Não condicionar o início do ciclo de cortes da taxa Selic ao NAF;
  • Ampliar o diálogo institucional entre o Ministério da Fazenda e as entidades representativas da sociedade civil e sua diversidade, a fim de promover o entendimento sobre as propostas econômicas; e
  • Promover a ressignificação político-administrativa da noção de “responsabilidade fiscal”, contemplando a regulação do uso da política fiscal para atingir os objetivos definidos mais amplamente pela Constituição e, especificamente, pelos governos democraticamente eleitos.

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